Por ocasião do dia 1º de maio, o jornal O Globo publicou um artigo da presidente do Coleprecor, Adenir Carruesco. Em nome do Colégio, a desembargadora compartilhou uma reflexão sobre a trajetória histórica dos direitos sociais no Brasil, os desafios enfrentados pelas trabalhadoras e trabalhadores e o papel essencial da Justiça do Trabalho na defesa da dignidade, da cidadania e do acesso à justiça.
Confira:
1º de Maio: o direito a ter direitos
“Uma anedota famosa entre juristas de Mato Grosso ilustra a importância de conhecer a realidade local ao aplicar o Direito. Durante uma audiência, um juiz perguntava a um réu da fronteira com o Paraguai se ele havia ingerido bebida alcoólica antes dos fatos em exame. O homem simples respondeu: “Tomei umas cinco ou seis cuias de tereré.” O magistrado, que não conhecia o costume local, ditou ao secretário que o réu estava completamente embriagado.
Mas o tereré era apenas um chá, feito por infusão, próprio da região.
O Direito, distante da vida, não cumpre sua função. Ter direitos é uma expressão de cidadania. E quando falamos em cidadania, aflora um sentido de pertencimento. Pertencer é exercer o pleno direito de ser parte e participar, dialogar, independentemente de classe, cor, gênero, ocupação ou opção religiosa. Nem sempre o que é dito é compreendido.
O “direito a ter direitos”, expressão de Hannah Arendt, sintetiza o legado dessa filósofa judia alemã, perseguida pelo nazismo. Sua história e luta pela cidadania plena ainda hoje inspira e ecoa entre aqueles que buscam um Estado democrático livre e justo socialmente.
O 1º de maio celebra os direitos sociais, pilares de uma sociedade justa e fraterna. Sem direitos, não há cidadania. O direito transpira vida, o exercício da igualdade e da liberdade. O direito à saúde, educação, trabalho, participação política, liberdade de expressão e amplo acesso à Justiça. Sem o direito não há cidadania.
O caminho de sua afirmação é longo. Há pouco mais de um século, o trabalho escravo ainda era tolerado no Brasil. Apenas com a Constituição de 1934, direitos básicos foram garantidos aos trabalhadores, seguidos de outras conquistas como a autonomia das mulheres e os direitos da maternidade.
A criação da Justiça do Trabalho em 1941 consolidou um mecanismo estatal de proteção dos direitos sociais. Reformas posteriores, como a Constituição de 1946, reforçaram o compromisso com a cidadania, mas apenas a Constituição de 1988 sedimentou esses direitos como fundamentais, atribuindo à Justiça do Trabalho o dever constitucional de salvaguardá-los. Em 2004, o constituinte ampliou a competência da Justiça do Trabalho (art. 114, I), para atribuir-lhe o dever de zelar por todas as formas de trabalho, pois a proteção dos direitos fundamentais sempre pautou a atuação dessa Justiça especializada.
O respeito aos precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) afirma o alinhamento e a unicidade do Poder Judiciário, promovendo a segurança jurídica, pilares de uma sociedade pacificada e justa. A atuação da Justiça do Trabalho deve respeito a essa hierarquia, mas a afirmação de sua competência com técnica é indispensável para distinguir o que é diferente.
A terceirização da atividade-fim, tema pacificado pelo STF no tema 735 da repercussão geral, volta à tona em discussão no Supremo afeta à “pejotização” no tema 1389, prática que se refere a possibilidade de contratar pessoas jurídicas para exercer funções típicas de pessoas naturais, sem direitos sociais do trabalho.
Como magistrada, vejo a Justiça do Trabalho alinhada às decisões da Corte Constitucional e ciosa do dever de analisar cada caso com suas particularidades e distinguir os diferentes dos precedentes qualificados. O crescente número de reclamações ao STF é alheio à atuação da Justiça do Trabalho, convindo refletir que a subversão da ordem processual com a quebra do sistema recursal inibe a dialética e frustra a legitimação do direito.
A anedota do tereré lembra da importância de ver o Brasil real e colocar a dignidade humana no centro das decisões.
O que ora está em jogo no STF é o futuro dos direitos sociais.
Neste Dia do Trabalho, que a sociedade garanta a todos o direito a ter direitos, condição essencial para uma sociedade democrática, justa e humana.”